A base do partido está cada vez
mais viva, e precisamos exaltar isso, pois é isso que fortalece e consolida
nossa vitória ainda ocasional. A melhor forma de fazê-lo é aliar teoria e
prática, discurso e ação, o que se fala e o que se faz.
Por: Vinicius Almeida, da Coordenação
Nacional da Insurgência (Tendência interna do PsoL)
Não, nossa vitória não foi por acidente.
Após a surpreendente renúncia da pré-candidatura presidencial feita por
Randolfe Rodrigues, cabe à militância do PSOL refletir um pouco sobre sua breve
trajetória. O partido, que tem sua vida marcada por descrenças do restante da
esquerda não pode mais deparar-se com boas notícias e se sentir estranho a
elas.
O certo “complexo de vira-lata”
do partido vem desde 2004, quando foi fundado. Seu nascimento foi marcado por
uma ruptura de lideranças parlamentares do Partido dos Trabalhadores, partido
este que, ao contrário do PSOL, é liderado no seu início por dirigentes
operários, num período de intensas mobilizações de massas contra a ditadura
militar e a alta exploração dxs trabalhadorxs. Foi um partido operário
clássico, que trouxe aos oprimidos um instrumento de luta política inédito no
país. O PT, no entanto, tinha uma limitação estratégica e não conseguiu
definir-se até o final da década de 1980. Com a convergência da ascensão do
partido ao poder institucional em algumas capitais, num momento de ofensiva do
capitalismo no mundo intitulada Neoliberalismo, passou a pautar sua política
longe do ideal do socialismo revolucionário.
O PSOL surge com o intuito de
superar a condição petista não revolucionária, de adaptação ao Estado, regime e
a política burguesa. Nada pior para quem quer isso do que ser um partido
orientado em seus primeiros anos (e ainda em grande medida atualmente) por
parlamentares. O novo partido nunca resumiu, contudo, sua atuação e composição
às lideranças institucionais. Diante de uma conjuntura de enorme submissão dos
movimentos sociais, especialmente o movimento sindical ao governismo lulista,
alguns milhares de lutadores apoiaram a proposta psolista.
Na primeira fase do partido, de
2004 a 2007, pouca definição havia de sua direção politica, com uma orientação
geral resumida a uma “alternativa ao governismo”, ou oposição de esquerda ao
petismo.O escândalo do mensalão e o endurecimento da direção petista na defesa
de todas as medidas de seu governo levaram a novas rupturas do partido, ainda
com forte característica parlamentar. Chico Alencar, Ivan Valente e João
Alfredo foram alguns destes novos personagens. Depois das eleições de 2006, a
primeira campanha presidencial com a participação do PSOL, o desempenho
eleitoral de quase 7% da candidatura de Heloísa Helena foi considerado fraco,
especialmente por não sustentar sequer a manutenção da bancada parlamentar
federal do partido, caindo de sete para três deputados.
Em 2007, foi formada uma
coalização interna de tendências, que apontavam para uma “atuação mais ampla e
menos sectária” do PSOL na conjuntura. Isto era uma direção clara para
ampliação de alianças eleitorais, e um desdém a uma proposta partidária que
passava pela classe trabalhadora organizada na luta.
As eleições de 2008 presenciaram
alianças com diversos partidos de direita, em diversos municípios, com destaque
à aliança do PSOL de Porto Alegre com o PV, e a aceitação de doação financeira
da multinacional Gerdau. A fragmentação da atuação do partido nos movimentos
sociais, como nas divergências com relação à política sindical e as brigas
estudantis no Congresso da UNE do ano seguinte combinava bem com o tom
acinzentado da direção dividida e em pé de guerra que o PSOL tinha naquele
período.
De
Marina a Plínio
Em 2009, no II Congresso do PSOL,
uma aliança improvável entre APS, Enlace e CSOL promoveu uma nova maioria,
calcada na democratização do funcionamento partidário e uma política mais
referenciada nos movimentos sociais. Em resistência a esta nova direção, Heloísa
Helena decidiu não concorrer ao pleito presidencial, para concorrer novamente
ao Senado.
Como resposta à desistência de
Heloísa, a direção política do partido majoritariamente apostou em trazer a
recém-dissidente do PT, Marina Silva, para ser representante do partido no
pleito presidencial de 2010. Quando a mesma decidiu-se pelo PV, buscou o apoio
do PSOL. Após meses de negociações confusas, os psolistas interrompem as
negociações com o PV pela opção do mesmo em lançar naquele ano Fernando Gabeira
como candidato ao Governo do estado do RJ aliado ao PSDB. Até para nossa
eleitoreira direção isto foi demais.
E foi demais não só porque nossos
“caciques” recusavam-se a se aliar com o PSDB (mesmo de forma indireta), mas
sim porque o PSOL nunca se resumiu aos seus quadros públicos e burocratas
internos. Nunca foi só com votos por fama que permitiu a reeleição de
parlamentares, mas sim com o suor dos militantes panfletando nas ruas, sem
“receber um real”. Além disso, a presença nas lutas do povo rendeu renovações
de quadros políticos, militantes, ativistas, simpatizantes, e a boa imagem do
partido frente aos que lutavam contra as capitulações petistas e a opressão,
agora mais desenfreada, do capital no país. Enquanto a direção do MST virava as
costas para sua base, estávamos solidários a ela. Enquanto a CUT negociava
acordos espúrios com o Ministério do Trabalho, era o PSOL que mantinha a defesa
dos direitos dxs trabalhadorxs. Mesmo o mais pragmático dos “capas” não poderia
desprezar a opinião de tantos, embora quisessem muito.
Logo após o fim das negociações
com Marina e PV, uma guerra aberta se iniciou no partido pela indicação do
candidato à presidência da República. Martiniano, Plínio e Babá foram os
pré-candidatos indicados para a disputa interna. Plínio conseguiu o apoio das
três correntes da nova maioria, além de apoios importantes como Marcelo Freixo,
Chico Alencar e Milton Temer. Martiniano tinha o apoio de MES/MTL, Heloísa
Helena, Luciana Genro e Janira Rocha. O período histórico seguinte é marcado pela
realização da conferência eleitoral apenas com os apoiadores de Plínio e Babá
(este que, naquela altura, já havia decidido retirar seu nome a favor do
primeiro), e foi um dos momentos de maior divisão do PSOL desde sua fundação.
Sem a militância de base jamais Plínio seria indicado candidato pelo PSOL para
2010. O peso dos “generais” equilibrava com dos seus “soldados” mais uma vez.
A campanha de Plínio foi bastante
prejudicada pela divisão interna do partido. Sua votação foi muito inferior à
de Heloísa em 2006. Mas o resultado eleitoral desta eleição manteve o número de
deputados federais e senadores eleitos em 2006. Fora isso, a proposta
programática de Plínio foi radical como nunca o PSOL tinha sido numa eleição,
desde sua fundação. A clara defesa do socialismo, da construção das lutas, da
aliança com os movimentos sociais, do combate à classe dominante, na fuga do
discurso fácil anticorrupção e no abraço à agenda libertária marcaram a
campanha que rendeu uma renovação política, especialmente na juventude, inédita
no partido até então.
O sucesso político de Plínio e
sua candidatura radical foram contrastados com a eleição do senador Randolfe
Rodrigues, apoiado pelo PTB, no Amapá. O velho Plínio encantava a juventude,
enquanto o jovem Randolfe agradava o suprassumo do conservadorismo politico
brasileiro. Plínio e Randolfe eram, sem planejar, as faces de dois projetos
partidários do PSOL.
Da
primavera dos povos à primavera carioca
No início do século XXI, a
proposta de governos latino-americanos progressistas pautava a esquerda numa
defensiva, que admitia a gestão de Estados burgueses como principal tática de
resistência ao Imperialismo. Em 2009, 2010 e 2011, a referência internacional
de lutas rendeu novos exemplos de enfrentamento ao poder capitalista, e
influenciou também o PSOL a mudar seu plano de atuação nacional.
Desde 2009, o mundo passou por
uma forte crise mundial, iniciada por quebra da Bolsa de valores
norte-americana, mas que culminou numa falência econômica de praticamente todos
os países ricos do capitalismo, especialmente os europeus. A crise econômica
combinou-se com outras crises dentro do capitalismo, já presentes. A crise
ecológica se acentuou, fruto da cada vez maior escassez de recursos naturais,
desgaste da exploração desenfreada de nossa forma de produzir da natureza. A
crise alimentícia, definida pelo aumento dos preços dos alimentos e a
incapacidade de abastecimento democrático, muito decorrente da crise ecológica,
somaram-se também à crise econômica, para citar alguns exemplos.
A convergência das crises ou a
crise civilizatória evoluiu nos anos seguintes para a crise de Estados. Uma
crise política gerou revoltas por todo o mundo, com relação direta ou não com a
crise econômica de Wall Street. O movimento mais disseminado foi o Occupy,
acampamentos nas principais capitais do mundo, lutando por pautas diversas e
dispersas, mas manifestando intensa solidariedade dos povos por suas
respectivas lutas. O mundo árabe viveu a sua primavera dos povos, derrubando
governos conservadores. Os indignados na Espanha, Grécia, Itália e outros
países europeus diziam não ao pacote de austeridade e às mentiras dos governos,
enquanto a juventude chilena dizia não à privatização da educação e dos
serviços essenciais para o povo.
Duas correntes internas do PSOL
tiveram rachas significativos durante a crise mundial: o MES e o Enlace. Nos
dois casos, a relação com a organização IV Internacional (e sua avaliação sobre
a conjuntura mundial) foi tema de polarização entre os setores dissidentes. O
resultado destas cisões foi a formação de um novo campo majoritário no partido,
formado pela APS, o MTL e os rachas minoritários de Enlace e MES, que elegeu
Ivan Valente presidente do partido, no final de 2011.
Até então, tanto Enlace quanto
MES (este último desde 2010, durante as eleições presidenciais) sustentavam a
maioria da APS, sua extrema conivência com Randolfe Rodrigues e suas alianças
eleitorais com partidos burgueses. Por mais derrotados que suas maiorias
restantes estivessem por APS e suas minorias, o deslocamento militante do
partido para uma proposta mais militante e radical persistia.
Em 2011 foi aprovada pela maioria
do PSOL-RJ uma aliança de nossa candidatura a prefeito em 2012 com o PV. A
então pré-candidatura de Marcelo Freixo, referenciada em seu mandato
parlamentar estadual com forte relação com movimentos sociais e bastante
identificada com uma proposta de partido militante, entrou em forte contradição
com a aliança aprovada pela direção partidária. Um movimento de repúdio à
aliança ao PV em redes sociais, diretórios locais, manifestos de correntes
internas e pela militância em geral ocasionou a própria desistência do PV no
acordo com o PSOL, o taxando de “muito radical”. Este seria o fim de um
“inverno” carioca e o início de sua primavera.
O desempenho eleitoral
impressionante de Marcelo Freixo como candidato a prefeito do Rio de Janeiro,
chegando a 914 mil votos (28% dos votos), contribuiu para a eleição de quatro
vereadores na cidade, duplicando a bancada do partido. Porém, a vitória política
não se resumiu ao crescimento institucional, mas levou à completa
reconfiguração do partido na cidade (e no estado, a partir de outras
experiências, como em Niterói). Antes de 2012, o PSOL RJ era marcado pelo
comando de Janira Rocha, que até então conduzia o partido negando qualquer
participação real da militância, com congressos marcados por “boiadas”,
filiações em massa sem qualquer critério e verticalização extrema das decisões
partidárias. Era um diretório estadual que podíamos qualificar como um dos mais
importantes representantes do velho PSOL; eleitoreiro, burocrático, caciquista
e conservador.
Na campanha de Freixo, a
militância psolista tomou conta das ruas e construiu uma proposta de disputa
eleitoral marcada pela horizontalidade de sua organização. Fruto de um trabalho
político feito por anos na cidade junto aos movimentos sociais, o partido
formou diversos comitês de bairro na cidade, de Bangu à Ilha do Governador,
passando pela Tijuca, Largo do Machado e Centro. A chamada “primavera carioca”
foi a marcha dos “Jovens com Freixo”, o grande comício da Lapa e a afirmação de
que “nada deve parecer impossível de mudar”. O excelente desempenho eleitoral
do partido foi um sucesso dividido com sua nova face no Rio de Janeiro: jovem,
militante e radical.
Uma
legenda, dois partidos
A experiência da Primavera
Carioca foi inspiração em campanhas pelo estado, como em Niterói e Itaocara.
Niterói conquistou 18% dos votos com a candidatura “debutante” de Flávio
Serafini, elegendo três vereadores, campanha também marcada pela militância de
rua, pelos jovens e pela democracia interna. Em Itaocara, foi eleito o primeiro
prefeito do PSOL no país, Gelsimar Gonzaga, um trabalhador e dirigente sindical
da base. Em 2013, houve também a formação de um Diretório Municipal no PSOL Rio
de Janeiro, fato inédito desde a fundação do partido, impulsionado pelos
núcleos de base e o fórum internúcleos, que fortaleceu uma concepção
democrática de partido.
Em 2012, o PSOL também elegeu
Clécio Luís, em Macapá. O nome construído por Randolfe Rodrigues ascendeu para
a prefeitura de sua cidade na Coligação Unidade Popular, que incluía os
partidos PCB, PRTB, PMN, PTC, PV e PPS. Para piorar, no segundo turno, a
coligação nada socialista recebeu os apoios ainda do DEM, PSDB e PTB, partidos
que são oposição de direita aos governos petistas (os dois primeiros) e o
partido pivô do escândalo do mensalão (o último).
A campanha de Macapá, portanto,
configurou-se como uma antítese do que aconteceu no Rio de Janeiro. Uma
expressão da liquidação da legenda como projeto anticapitalista. Por mais
exitosa que fosse a campanha carioca, a campanha de Macapá mostrou um partido
cada vez menos envergonhado de se aliar com a direita. Um partido cada vez mais
parecido com o PT. O contraste entre dois projetos distintos de partido ficou
mais evidente desde então. Por isso passou a ser uma questão de “vida ou morte”
a disputa de sua direção em 2013, no IV Congresso Nacional do PSOL.
Uma das primeiras consequências
da guinada mais à direita da corrente majoritária do PSOL, a Ação Popular
Socialista, foi o seu racha em três partes. A maioria interna da última
conferência desta organização manteve-se como APS Nova Era. O setor de Randolfe
e Ivan Valente passou a se chamar APS Corrente Comunista e conformou o campo
Unidade Socialista, com o MTL e as dissidências de Enlace e MES. O terceiro
setor conformou-se num grupo denominado Coletivo Rosa Zumbi, e é o menor grupo
dos três.
Tomado por disputas acirradas nos
estados e, especialmente, fraudes de delegações pelo país, uma maioria
artificial e burocrática foi formada pela Unidade Socialista. A derrota dos
setores opositores ao grupo de Randolfe, Ivan Valente e Luiz Araújo (novo
presidente) foi encarada por muitos como o início do fim da experiência
psolista como um projeto anticapitalista.
A vitória foi apertada: mesmo com
fraudes e distorções nas delegações dos estados, a US alcançou sua maioria com
pouco mais de 51% dos votos no Congresso Nacional do partido. Sua oposição
interna era bem significativa e questionou até o final das discussões
congressuais a indicação de Randolfe Rodrigues como único pré-candidato do
partido para as eleições presidenciais de 2014.
Após o congresso, mesmo esta
forte oposição se fragilizou e grande parte dela passou a apoiar Randolfe. A
resistência ao golpe congressual da US e a imposição de Randolfe como principal
figura pública eleitoral de 2014 passou a ser marginal no PSOL.
A situação se agravaria quando a
maioria decide perseguir a minoria “rebelde” que não havia se submetido a Randolfe.
Com a maioria na direção, absurdos como a absolvição na Comissão de Ética de
Janira Rocha, afastada do partido pelo PSOL-RJ por denúncias de corrupção na
Assembleia Legislativa fluminense, passaram a ser a regra de condução do
partido e foram ainda mais legitimados. Em Minas Gerais, a pré-candidata Maria
da Consolação foi derrotada na conferência eleitoral regional. O mesmo quase
ocorreu com Ailton Lopes, que venceu o pleito interno cearense e manteve sua
recusa a fazer campanha para o Senador do Amapá.
O ápice do dirigismo da US foi o
caso de SP. Vladimir Safatle, professor de filosofia da USP, intelectual
bastante reconhecido, tinha sido filiado em 2013 pelas mãos da militância de
Ivan Valente, deputado federal paulista. Uma nítida discrepância no discurso de
Vlad com o que pensava a maioria motivou um boicote crescente à sua indicação
como pré-candidato a governador do estado, culminando em sua desistência, em
detrimento de Gilberto Maringoni, que expressava de forma evidente a
proximidade da maioria randolfista do partido com o PT. Mesmo Safatle aceitando
e apoiando Randolfe, nem isso mais era o suficiente. A US queria expurgar o
PSOL de lutas, o PSOL das ruas, o PSOL de junho enquanto tinha uma vantagem
conquistada com muito custo.
O
rei está nu
Com todo este histórico recente,
não havia qualquer motivo para Randolfe desistir de sua candidatura. A sua
maioria burocrática apertada no IV CNPSOL já se configurava uma nova hegemonia
interna sólida. Mesmo depois do caso Saflate, a maioria dos setores manteve o
apoio ao Senador e o compromisso formal de construção de sua campanha nacional.
A sorte de Randolfe não poderia
ser maior. Após um ano de lutas nunca antes vistas no país, em certa medida,
uma candidatura de esquerda, com clara oposição ao sistema político atual,
demarcando contra o acordo de classes entre ruralistas, grandes empreiteiras,
grandes complexos industriais e a cooptação da grande maioria das direções dos
trabalhadores organizados teria um grande espaço para ser a referência de uma massa
de explorados e indignados com os rumos do país.
A questão é que Randolfe, Clécio,
o PSOL Amapá e a atual maioria do Diretório Nacional nunca apostaram no
crescimento do partido como um instrumento de fato contra-hegemônico. Sua
perspectiva foi a de ocupar o espaço deixado pelo PT já quando o mesmo desistiu
de combater o capitalismo no Brasil por completo. Uma proposta de manutenção da
estratégia petista “versão década de 90”, com algumas diferenças de cunho
tático. É o petismo com medo de dizer seu nome, vestido de novo partido e com
mais capacidade de iludir por conta disso.
Com a mudança na conjuntura em
2013, houve um crescimento da referência do PSOL que não admitia o projeto
político de Randolfe e seus aliados. Exemplo disto são os inúmeros núcleos de
base formados no Rio de Janeiro (capital e outros municípios), a sede pelas
ruas e pela formação política de seus militantes, a defesa de uma política
radical contra os partidos da direita e até mesmo a perspectiva eleitoral
tratada como algo menos central do que nos anos anteriores. Este PSOL seria incapaz
de fazer campanha para um Senador que nunca apareceu em atos, participava
formalmente da bancada governista no Congresso, afagava a direita sempre que
podia na imprensa, como se esquecia das pautas de esquerda com raras exceções.
A única saída para Randolfe seria
ter um forte apelo eleitoral, visto que militância real seria bem reduzida, até
mesmo pelos seus mais fortes cabos eleitorais, os militantes da US, que
estariam preocupados em eleger parlamentares em seus estados,o que seria
fundamental para alicerçar sua máquina de disputa interna partidária e manter
sua maioria burocrática no PSOL. Com um desempenho ridículo nas pesquisas, e a
impossibilidade de construir alianças com partidos de direita para ampliar seu
tempo de TV, Randolfe desistiu.
Em um conto dinamarquês do século
XIX intitulado “A roupa nova do rei”, um rei contrata um conselho de bandidos
que se passam por estilistas, e o convencem de que os tecidos que os mesmo
fabricavam eram invisíveis para pessoas sem inteligência. Era, obviamente, uma
mentira para conseguir ouro do Rei sem de fato confeccionar qualquer roupa.
Como resultado desta história, inseguro em reconhecer que seria uma “pessoa sem
inteligência”, o rei andou nu pelas ruas da cidade, se submetendo a um ridículo
incalculável.
Como no conto dinamarquês, porém
sem rei ou bandidos, a cúpula da US submeteu Randolfe a andar despido de seus
acordos espúrios eleitorais do Amapá pelo resto do país. Contaram a ele que seu
nome, sua projeção pessoal era muito maior que o acordo com Lucas ou
Capiberibe. Que sua proposta política expressava um apelo de massas, enquanto
os psolistas esquerdistas só o criticavam por puro vanguardismo. A dura
realidade o deixou nu frente aos jornais que publicavam suas angústias. “Não
sou candidato da unidade do partido”, mas não foi isso que dissemos a ele
durante todo o ano de 2013? Não foi por isso que nomes como Chico Alencar,
Renato Roseno e a escolhida e nossa candidata atual Luciana Genro surgiram como
propostas? Num partido dividido como o PSOL, apostar na vitória por maioria e
pela força de uma máquina é não reconhecer sua fragilidade maior. De nada
adianta uma coroa se está completamente despido. De nada adianta uma maioria de
51% sem a base militante para apoiar sua candidatura presidencial.”
A
base é viva
A desistência de Randolfe foi uma
imensa vitória para o partido militante e de lutas que o PSOL deveria ser. Foi
uma vitória não planejada, principalmente porque seus protagonistas ainda não
foram bem identificados: a base.
O Partido Socialismo e Liberdade
foi fundado afirmando um princípio muitas vezes esquecidos por ditas
organizações revolucionárias: a democracia de tipo operária. Não é uma
democracia apenas realizada por operários, mas sim com referência na
auto-organização das massas contra os capitalistas.
Portanto, um partido que combata
o capitalismo deve reproduzir um modelo de funcionamento que dê protagonismo ao
coletivo amplo, que chamamos de base, e não a um grupo restrito, a direção. A
própria direção deve ser apenas passageira e o balanço das experiências
socialistas no mundo colocaram para partidos mais novos, como o PSOL, a
responsabilidade de impedir a formação de oligarquias internas em seus
organismos, que separam a base de sua direção, o que também chamamos de
burocratização.
É importante ressaltar que nossa
tese aqui não é de afirmar que apenas a resistência da base do partido ao
Senador do Amapá foi suficiente para que o mesmo desistisse. O elemento mais
impactante de nossa breve trajetória é a mudança na conjuntura e o êxito
pragmático do partido em manter-se fiel (quem o fez) ao princípio de estar ao
lado de todxs xs oprimidxs. O ainda inicial levante dos operários, rodoviários,
das prostitutas, dos garis, das comunidades tradicionais, das favelas somou ao
PSOL radicalmente democrático e subtraiu ao projeto conciliador de Randolfe.
Por esta questão que o balanço
apresentado aqui tem centralidade em afirmar a importância da construção de um
partido que seja atraente aos subalternos e os organize para ampliar suas
lutas. Ao mesmo tempo em que o PSOL deve ser um partido plural, dando direito a
diferentes tendências, urge ainda mais a necessidade de reforçar a existência
de instâncias democraticamente eleitas do partido, com mandatos absolutamente
sujeitos à revogação pela base. O partido deve investir na formação de novos
núcleos para o partido e fortalecimento do poder de decisão destes núcleos.
Devemos também promover nosso programa partidário, muitas vezes desrespeitado
por parlamentares e candidatos durante as eleições. Espaços para formulação
programática constante, formação politica contínua, direcionando no cotidiano e
para o conjunto dos novos militantes a necessidade de que tenhamos um claro
compromisso com os subalternos.
Mesmo afirmando sua pluralidade,
na medida em que consolidamos uma experiência comum de partido, o mesmo deve
atuar de forma cada vez mais unificada. Isso serve para as intervenções nos
movimentos sociais, como nas disputas institucionais eleitorais. Um exemplo de
amadurecimento disto são as campanhas majoritárias com comitês unificados,
legado da primavera carioca também. Outro exemplo é o fortalecimento da
oposição unificada na UNE ao governismo e a organização de espaços comuns de
todos os movimentos, como o fórum de lutas no RJ.
A base do partido está cada vez
mais viva, e precisamos exaltar isso, pois é isso que fortalece e consolida
nossa vitória ainda ocasional. A melhor forma de fazê-lo é aliar teoria e
prática, discurso e ação, o que se fala e o que se faz. Essa é a saída
consistente para a crise duradoura do partido, a direção que fará do mesmo, de
fato, um instrumento da maioria do povo contra o poder das elites. Viva o PSOL!
Viva a base do PSOL!
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