André Ferrari, do Socialismo
Revolucionário e da Executiva Nacional provisória do PSOL
08 de outubro de 2005
O início do processo que resultou na
formação do PSOL tem um marco fundamental na vitória eleitoral do PT em 2002.
Com a posse de Lula, milhares de militantes petistas e de fora do PT em todo o
país passaram a questionar os rumos adotados pelo novo governo.
Desde o primeiro momento, a política
econômica do novo governo, sob o comando do ministro da fazenda Antonio Palocci
e do presidente do Banco Central, o banqueiro tucano Henrique Meirelles,
atendeu aos interesses do grande capital financeiro e seguiu à risca a receita
do FMI.
A luta dos servidores públicos federais
em 2003
O novo governo também se comprometeu a
dar continuidade às contra-reformas neoliberais do governo anterior de FHC.
Começou com a reforma da previdência que retirava direitos dos trabalhadores do
setor público da mesma forma que FHC tinha feito com aqueles do setor privado.
Além da velha conhecida política de
cortes nos gastos públicos para pagar os juros da dívida aos banqueiros, essa
contra-reforma também favorecia ao grande capital financeiro.
Para aprovar a contra-reforma, Lula
teve que se enfrentar com uma poderosa greve nacional dos servidores federais
com manifestações de até 80 mil pessoas em Brasília. Depois de uma resistência
heróica, enfrentando inclusive a confusão de muitos (o MST, por exemplo, não
apoiou de fato o movimento) e má fé de outros (a direção da CUT claramente
apoiou o governo contra os grevistas), os trabalhadores acabam não conseguindo
barrar a reforma.
Porém, grande parte da base social do
PT entre os trabalhadores do setor público foi perdida. O PT ia claramente se
consolidando como um partido da ordem capitalista neoliberal, um instrumento da
classe dominante para implementar suas políticas.
Os servidores públicos em geral
representaram uma base social importantíssima no que posteriormente veio a ser
o PSOL.
A perseguição sobre os “radicais”
Desde o início do governo Lula, alguns
parlamentares ganharam visibilidade nacional por sua postura firme contra o
giro à direita adotado pelo partido e as políticas neoliberais do governo.
A perseguição sobre aqueles que a
imprensa chamou de “radicais”, os deputados federais Babá, Luciana Genro e, na
época, João Fontes (que depois acaba se afastando), além da senadora Heloísa
Helena, gerou indignação entre os mais honestos e coerentes. Essa indignação se
transformou em ações concretas com vários Atos contra as punições em várias
cidades por todo o país.
Entre os membros do PT que repudiavam
as expulsões estavam basicamente dois setores. De um lado estavam aqueles que
não viam mais perspectivas de recuperação do PT como instrumento das lutas dos
trabalhadores e, diante das inevitáveis expulsões se preparavam para lançar um
movimento por um novo partido. Do outro lado, estavam aqueles que, militando na
esquerda petista, discordavam das punições, mas defendiam a permanência no PT
por acreditarem que o partido e o governo estavam em disputa e era possível um
resgate do PT.
No primeiro caso estavam os chamados
“radicais”, as correntes dos deputados Babá e Luciana Genro, além de dirigentes
sindicais e militantes independentes. O Socialismo Revolucionário (SR), que
naquele momento também atuava no interior do PT ainda que com um perfil aberto
e independente, também defendia a necessidade de um novo partido.
Na verdade, desde o início da
constituição do SR como tendência do PT em 1998 entendíamos que a questão de um
novo partido estaria colocada a partir de um processo de experiência de amplos
setores com as políticas pró-capitalistas da direção majoritária do partido. Um
provável governo petista aceleraria esse processo e, em nossa avaliação, era
uma tarefa dos revolucionários, atuar no interior do movimento amplo de
insatisfação e ruptura com o partido defendendo as idéias socialistas e
revolucionárias. Esse processo já estava em curso com poucos meses de governo
Lula.
A expulsão dos “radicais” do PT se deu
na reunião do Diretório Nacional do partido nos dias 13 e 14 de dezembro de
2003. Na mesma reunião, o diretório reafirmou seu apoio à política econômica e
às reformas neoliberais do governo Lula.
Outros setores da esquerda diante do
novo partido
A perseguição dos “radicais”, além de
mover amplos setores petistas, também mobilizou setores da esquerda fora do PT.
O PSTU, por exemplo, passou a defender a constituição de um novo partido junto
com os “radicais” e outros setores.
Porém, as relações com o PSTU não
avançaram porque seu projeto de novo partido mostrou-se bem mais estreito do
que aquele necessário para o momento atual. Exigiam que o novo partido fosse
centralizado a ponto de proibir divergências públicas num momento em que
setores muito heterogêneos da esquerda socialista apenas começavam a se
aproximar.
A proposta de partido centralizado do
PSTU implicava na prática em uma submissão das demais correntes à sua linha e
concepção partidária. Havia até setores que acabavam de romper com o PSTU
exatamente por divergir de seu sectarismo e de seu regime interno
anti-democrático. Como exigir que esses setores voltassem a se submeter à mesma
concepção e linha política com a qual acabavam de romper?
O PSTU não tinha um autêntico projeto
de unidade da esquerda, mas sim apenas uma tática para tentar ganhar setores
que rompiam com o PT. Enquanto tática pode até ser legítimo, embora equivocada
e sectária. O que não é legítimo é continuar acusando o atual PSOL de tê-los
excluído do processo de formação do novo partido.
Um exemplo claro da postura sectária
adotada pelo PSTU foi sua posição oficial de não colaborar com o processo de
legalização do PSOL, proibindo seus militantes de assinarem as fichas de apoio,
ao contrário do que fizeram o PCB, setores da esquerda petista e outras
organizações de esquerda.
O que o momento político exigia da
esquerda socialista era um esforço de unidade para reconstruir organizações de
massas da classe trabalhadora, em especial um novo partido de esquerda. Essa
unidade só seria possível neste momento respeitando-se as diferenças políticas
existentes.
Essas diferenças não seriam resolvidas por
decreto. Por isso o direito de tendências precisava ser garantido. Dessa forma,
os marxistas revolucionários poderiam impulsionar uma nova força de massas
junto com outros setores e, ao mesmo tempo, lutar para fortalecer as posições
socialistas e revolucionárias no interior dessa nova formação e em setores
amplos da classe trabalhadora.
Já o Movimento Consulta Popular,
surgido no final dos anos 90 a partir do impacto da luta do MST, evoluiu para
um posicionamento mais crítico em relação ao governo e ao PT. Esse movimento,
porém adotou posição contrária à formação de um novo partido legal. Uma parte
em razão de seus vínculos com o PT e posições dúbias em relação ao governo e
outra com a justificativa de que priorizam a ação dos movimentos sociais.
A prioridade da luta direta dos
trabalhadores é inquestionável. O problema é o que fazer com os espaços da luta
institucional existentes, como as eleições gerais de 2006. A esquerda
socialista deixará que milhões de trabalhadores tenham que escolher entre os neoliberais
da estrela ou do tucano? Ou usaremos as eleições para levantar uma alternativa
de esquerda anti-capitalista e assim dialogar com milhões?
A Esquerda Socialista e Democrática
Com a consumação da expulsão dos
“radicais” abriu-se o caminho para a formação de um movimento por um novo
partido. Milhares de militantes romperam com o PT no mesmo dia da expulsão.
Também figuras emblemáticas do pensamento de esquerda como Chico de Oliveira,
Paulo Arantes, Ricardo Antunes, Carlos Nelson Coutinho e outros denunciam a
postura do PT e apóiam as iniciativas de construção de uma alternativa.
Logo após a tomada de posição pública
definitiva de Heloísa Helena de que trabalharia junto com os outros setores
pela formação de um novo partido, aconteceu na sede da ABI no Rio de Janeiro,
no dia 19 de janeiro de 2004, o Encontro que lançou a Esquerda Socialista e
Democrática – Movimento por um Novo Partido (ESD).
No movimento pelo novo partido estavam
parlamentares, sindicalistas, dirigentes estudantis, intelectuais, militantes
de esquerda e correntes organizadas das mais diversas origens que se aproximavam
a partir de alguns elementos em comum que transformaram num divisor de águas
para a esquerda. O principal era a caracterização de que o governo Lula e o PT
não estavam em disputa e era necessário construir uma alternativa de esquerda.
Assim, mesmo reunindo militantes com
diferentes concepções sobre a luta socialista, alguns inclusive reivindicando
uma estratégia essencialmente reformista, esses militantes assumiam uma postura
correta diante do teste principal para a esquerda brasileira na etapa atual: sua
postura diante do governo Lula e do PT.
O movimento ESD foi lançado em Atos
políticos em praticamente todas as capitais e inúmeras cidades por todo o país.
A partir daí a Comissão Nacional do movimento apresentou aos militantes uma
proposta de Programa e Estatuto provisórios.
O programa provisório apresentado tinha
um conteúdo claramente anti-capitalista, anti-imperialista, classista,
radicalmente democrático e socialista. Não tinha, porém uma visão mais
aprofundada e clara da estratégia revolucionária e da concepção de socialismo.
Continha inclusive algumas formulações equivocadas em nossa opinião,
particularmente no que se refere à luta dos trabalhadores na América Latina
onde dava margens a uma visão anti-imperialista descolada do socialismo como alternativa.
O Estatuto proposto estabelecia que o
novo partido seria radicalmente democrático, composto por militantes
organizados, de caráter inclusivo e com direito de tendências e que buscava
constituir-se sobre uma base de massas.
Ainda assim, o Estatuto refletia um
momento muito inicial da construção do novo partido, por isso assumia também um
caráter muito provisório e não refletia a riqueza de experiências e lições
tiradas por quem militou no PT ou mesmo em outras organizações da esquerda
socialista.
O lançamento do PSOL
O Encontro que lançou o Partido
Socialismo e Liberdade aconteceu em Brasília nos dias 5 e 6 de junho de 2004 e
reuniu cerca de 750 companheiros de 22 estados. O Encontro encaminhou
favoravelmente ao projeto de programa e estatuto provisórios, definiu uma
Comissão Nacional composta por 101 membros e uma Executiva Nacional provisória
com 15 membros. O nome do partido foi definido também em votação do Plenário.
O Encontro também deu início ao
processo de obtenção do registro legal do PSOL. A meta de 500 mil assinaturas
(diante das 430 mil exigidas pela legislação) foi estabelecida e os militantes
começaram a coletá-las nas ruas, praças, locais de trabalho e estudo,
manifestações, assembléias, etc.
O Encontro foi um grande sucesso, mas
as condições de sua realização foram muito precárias. Houve pouco tempo prévio
para os debates sobre o programa e o estatuto e o próprio Encontro teve que
buscar aprovar os documentos através da negociação entre as correntes e
buscando um consenso mínimo uma vez que não havia delegados eleitos e nem
instâncias já formadas.
Essa situação de excepcionalidade foi
imposta pelo caráter ainda muito inicial do novo partido. Além disso, a
Comissão Nacional entendeu que era importante, apesar do pouco tempo, garantir
um Encontro que permitisse o início do processo visando a obtenção do registro
legal do novo partido.
A luta pela legalização
No final de 2004, quando se completou
um ano da expulsão dos radicais do PT houve um anúncio público por parte dos
parlamentares e membros da Executiva Nacional de que o número mínimo necessário
havia sido alcançado.
Porém, apesar do grande apoio
encontrado nas ruas, houve uma subestimação das dificuldades burocráticas
impostas pela legislação eleitoral. Seria necessário coletar muito mais
assinaturas para compensar problemas nos cartórios eleitorais e nas diversas
instâncias da justiça eleitoral.
O partido realizou em janeiro seu II
Encontro Nacional em Porto Alegre, durante o Fórum Social Mundial. O Encontro
reuniu mais de mil militantes e simpatizantes e encaminhou uma resolução
política sobre a conjuntura e as tarefas, a convocação de um Congresso para o
final do ano e a necessidade de avançar na coleta de assinaturas.
Em março de 2005, porém, houve um
alerta geral da Executiva à militância apontando os riscos de não conseguirmos
a legalização dentro do prazo para apresentar candidatos nas eleições de 2006.
Com isso, houve uma reavaliação das prioridades entre a maioria dos militantes.
Com essa situação emergencial, não
avançamos o suficiente em alguns dos aspectos centrais de nossa atuação, como o
debate político e em parte a definição de uma linha política adequada à
conjuntura, principalmente no que se refere ao trabalho sindical, mas também em
outros setores.
Ainda assim, o enorme esforço de coleta
e processamento das assinaturas e a entrega nos cartórios deu resultado e o
PSOL conseguiu dar entrada a tempo no TSE e obteve finalmente seu registro
definitivo no dia 15 de setembro.
Com o acirramento da crise política
nacional, o PSOL avançou e ganhou a simpatia de milhões por todo o país. Apesar
de todas as dificuldades, o PSOL aparece hoje como alternativa para um amplo
setor descontente com o PT e a política tradicional.
Além do senador Geraldo Mesquita do
Acre, que se juntou ao partido em março e do deputado João Alfredo do Ceará que
acaba de tomar posição pelo ingresso no PSOL, rompendo com o PT, muitos
ativistas têm assumido a mesma posição em nível nacional, inclusive correntes
ou setores de correntes que atuavam na esquerda petista.
Uma vez conquistada a legalidade, o
salto de qualidade para o PSOL vai depender de como atuaremos na próxima etapa,
solucionando nossos problemas e dando passos reais na constituição de um
partido democrático, baseado nas lutas dos trabalhadores e defensor de uma
alternativa socialista.
Balanço positivo, mas muito a avançar
A trajetória do PSOL até hoje foi
marcada por avanços importantes e um êxito claro. Sua constituição enquanto
partido nacional, com milhares de apoiadores e até legalmente reconhecido é uma
vitória para o conjunto da esquerda e dos trabalhadores. O PSOL é hoje o
elemento mais importante do processo de recomposição da esquerda socialista
brasileira e um dos mais importantes em nível internacional.
O balanço geral do PSOL é extremamente
positivo para um partido que lutou contra tudo e contra todos, contra a direita
e a esquerda governista, tudo isso em meio às dificuldades existentes para a
luta dos trabalhadores. Ainda assim, há muito para corrigir e avançar.
O PSOL precisa aprofundar a discussão
sobre o programa para a luta socialista no Brasil e tirar daí um projeto
político consistente capaz de aglutinar o melhor da classe trabalhadora e da
juventude e intervir de forma decisiva na realidade política brasileira.
O desafio de intervir nas eleições de
2006 exigirá de nós capacidade para ampliar e nos dirigir a milhões ao mesmo
tempo em que fincamos pé em nossos princípios de independência de classe e
defesa do socialismo.
O PSOL também precisa definir um
projeto de organização internacional da luta dos trabalhadores. Não há partido
verdadeiramente socialista que não assuma a tarefa de impulsionar a unidade
internacional da luta dos trabalhadores pelo socialismo.
Também há muito a ser feito ainda para
chegarmos no partido verdadeiramente democrático que pretendemos construir. É
preciso construir e consolidar os núcleos de base por todo o país, fortalecer
as coordenações regionais com base num funcionamento democrático e transformar
os órgão de direção nacional, a Executiva e a Comissão Nacional (os 101) em
verdadeiras instâncias regulares e efetivas, que reflitam as preocupações do
conjunto da militância e que encaminhem políticas capazes de fazer o partido
avançar.
Precisamos de um jornal nacional do
partido, de boletins internos que façam circular melhor as informações, de
espaços para o encaminhamento das políticas na juventude, nos sindicatos, no
movimento de mulheres, negros, GLBTT, etc. Tudo isso como parte de um projeto
político anti-capitalista mais definido.
Os desafios da nova etapa
A ideia de que o PSOL é um abrigo para
a esquerda socialista tem sua validade e serviu nesta primeira etapa. Mas,
agora precisamos de um partido capaz de dar respostas efetivas à angústia de
milhões de trabalhadores e jovens através de um programa e uma política
consequentes.
Existem diferentes visões internamente
no partido. Pelo menos em parte, elas precisam ser debatidas em um Congresso do
partido que infelizmente tornou-se impraticável neste ano e que precisa ser
encarado como uma tarefa prioritária da direção e dos militantes.
Da nossa parte lutaremos para que o
PSOL avance na direção do programa e da estratégia do socialismo revolucionário
e leve essas posições para os milhões de trabalhadores e jovens desse país.
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