"Esta cova em que estás com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho nem largo nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias
ver dividida"
Na quinta-feira (16 de
Abril), último dia do Acampamento Terra Livre, que começou em Brasília (DF) na
segunda-feira, foi marcada por duas sessões solenes, uma na Câmara e outra no
Senado, em homenagem ao Dia do Índio. Dispostos a dialogar com os parlamentares
das casas onde tramitam propostas legislativas que atacam seus direitos, os
indígenas passaram por vários constrangimentos.
Pela manhã, na Câmara,
apenas 180 indígenas do Acampamento Terra Livre (ATL) foram autorizados pela
mesa diretora da Câmara Federal a participar da sessão no Plenário Ulysses
Guimarães. A expectativa era a de que entrassem pelo menos 700 indígenas no
Plenário, número que foi reduzido, nas negociações, para 500. Na rampa de
entrada para o Congresso, o grupo foi barrado por força policial e dividido em
delegações – o que levou muitos a retornar ao acampamento, indignados com o
tratamento que receberam naquela que é conhecida como a Casa do Povo.
A sessão teve início,
às 10h, com dois outros episódios constrangedores. A ausência do presidente da
Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), e a censura a um filme sobre as lutas dos
povos em Brasília que seria exibido no início da homenagem. Preparado pela
Mobilização Nacional Indígena, o documentário trata da PEC 215, razão pela qual
acabou censurado.
Apesar de terem
iniciado a sessão com cantos e danças dos povos Pataxó Hãhãhãe, Kayapó,
Munduruku e Guajajara – logo após a execução do Hino Nacional –, os indígenas
não foram tão privilegiados quanto os parlamentares na distribuição das falas.
Sonia Guajajara
reconheceu em seu discurso a importância da sessão como um ato democrático, mas
criticou de pronto o fato de haver tanto preconceito contra os indígenas na
Casa. “Não entendemos por que querem nos invisibilizar. Por que o acordo com
aqueles que matam, destroem, roubam? Não podemos permitir que o agronegócio e o
capitalismo sejam maiores que a vida. Pedimos respeito aos nossos familiares”,
criticou, lembrando que outros projetos anti-indígenas, como o PLP 227/2012 e o
PL 1610/96, tramitam na Câmara e no Senado.
O cacique Raoni
Metuktire, que, junto com Sonia, era a única liderança a compor a mesa da
sessão, pediu que a Casa continue aberta aos indígenas, como aconteceu durante
a Constituinte. “Hoje em dia os deputados só querem fazer esses projetos de lei
que afetam os indígenas e quilombolas. Eu não aceito esse projeto de lei da PEC
215”, discursou a liderança Kayapó, acompanhado de um tradutor de seu povo.
Alguns deputados
destacaram a importância de uma sessão de homenagem aos povos indígenas, depois
de a Câmara ter se fechado aos indígenas tantas vezes. Outros afirmaram que a
Casa não fazia mais que sua obrigação e que uma concessão de fato seria o arquivamento
da PEC, lembrando que tramitam na Câmara apenas dois projetos legislativos
favoráveis aos direitos indígenas. Poucos parlamentares participaram da sessão;
quase todos membros da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas (veja a
lista), que vestiram a camiseta da Mobilização Nacional Indígena com os dizeres
“PEC 215 Não”.
João Tapajós, do Pará,
reclamou da restrição ao tempo de fala dos representantes indígenas por região;
Davi Kopenawa, xamã do povo yanomami completou: “O branco não deixa falar
muito. Ele não quer resolver, por isso que ele não quer deixar liderança falar
a verdade”.
Kopenawa foi um dos
últimos a falar ao plenário, já quase esvaziado: “Essa casa é a casa da cobra
grande. A cobra grande está aqui. Nós queremos matar essa cobra grande; matar,
queimar e enterrar para não nascer mais aqui. Fizeram essa lei, sem consulta
com ninguém, para matar o nosso povo”. Já o cacique Aritana Yawalapiti, do
Xingu, determinou: “Para mim essa PEC já morreu”.
Neguinho Truká pediu
que os parlamentares deem menos atenção à PEC desengavetem a tramitação do
Estatuto do Índio: “Caso contrário, nós estaremos só nos manifestando e vindo
aqui em atos solenes”, frisou. A liderança, que lembrou as demandas dos povos
de todos os estados do nordeste, foi duro: “Quando ocupamos essa casa em 2013,
ouvimos do presidente que essa era uma casa inviolável. Inviolável é o direito
do povo brasileiro, que tem sido negociado aqui dentro. Nós vamos fechar
estradas, derrubar torres, ocupar hidrelétricas!”.
Apesar da humilhação na
Câmara, Lindomar Terena avalia que foi importante ver os parlamentares
afirmando o compromisso com os povos indígenas. No nosso entendimento, isso
supera o que a gente passou. A nossa expectativa é que de fato essas coisas
sejam colocadas em prática”.
“Não é festa, é
cobrança”
No Senado, foi a vez de
objetos sagrados, como mbarakás, serem barrados. Os indígenas que se dirigiram
ao Plenário para a sessão que começaria às 15h foram obrigados a deixá-los no
saguão de entrada do Senado. “O mbaraká [chocalho sagrado] é a fala de
ñanderu!”, bradou o cacique Tito Vilhalva, liderança guarani kaiowá. Depois de
pressão do movimento indígena, os mbaraká foram liberados.
No início da sessão,
aos gritos de “Demarcação já!”, os indígenas demonstraram que não aceitaram o
convite para festejar, mas sim para pressionar ainda mais os parlamentares. O
presidente Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), assim como Cunha, também não
esteve presente na sessão.
Um dos primeiros a
falar, senador Vicentinho Alves (PR/TO) discursou sobre sua proposta de criação
da Secretaria Nacional dos Povos Indígenas, que já está com parecer favorável
na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A proposta foi imediatamente
refutada por Sônia Guajajara, reiterando o caráter arbitrário da política, que
não levou em consideração a representatividade dos povos indígenas na sua
constituição. “Gostaria que Vossa Excelência, em um ato de simplicidade,
retirasse a proposta. A Secretaria sequer foi discutida com as nossas
organizações e nossas base”, discursou Neguinho Truká.
Sonia lembrou que os
indígenas foram barrados ao entrarem na Câmara dos Deputados mais cedo, ainda
que tivessem autorização, e apontou para o fato que estão dispostos a dialogar
com os parlamentares, mas estão atentos para as suas manobras políticas: “A
gente vem, fala e escuta, mas nem sempre deve confiar. Eles falam pra gente uma
coisa e agem contra os nossos interesses”.
Sonia faz referência à
reunião no final do dia de ontem (15) entre o senador do PSDB, Aécio Neves, com
Marina Silva, em que reafirmou seu compromisso de ser contra a PEC 215/00, mas
no mesmo dia votou contra os interesses dos povos indígenas na votação do PL
7335/14, que trata do conhecimento tradicional e do patrimônio genético. “O PL
foi aprovado na Câmara sem o nosso conhecimento, articulado e construído com o
setor empresarial. Ontem no Senado foi justamente o voto do senador Aécio Neves
que fez a diferença para aprovação do texto sem as nossas considerações”,
ressaltou.
Flávio Chiarelli,
presidente da Funai, lembrou do relatório da Comissão Nacional da Verdade,
divulgado em dezembro do ano passado, em que foram denunciadas as mortes de
mais de 8000 indígenas no período da Ditadura Militar. “Não podemos repetir
erros do passado. A Funai foi criada sob uma lógica integracionista e
assistencialista com o seguinte pensamento: ‘vamos acabar com os povos
indígenas; enquanto não acabamos, oferecemos uma esmolinha aqui, outra ali,
confinando em pequenos pedaços de terra‘”.
Após a fala do
presidente do órgão, Pirakumã Yawalapiti disse que a Funai precisa ser
fortalecida mas não deixou de cobrar o presidente: “A Funai sumiu, toda
administração está sucateada e não tem recursos. Nós temos que levantar a
Funai. O que tem dentro da Funai é patrimônio indígena. O presidente da Funai
não tem mais força porque não visita a gente. Quem pode dar força ao presidente
são os povos indígenas”.
No Senado, Neguinho
Truká cobrou que os parlamentares presentes não se limitem a fazer alterações
no texto da PEC 215, mas que barrem a proposta, e foi ovacionado pelas
lideranças indígenas presentes: “Mataram a gente com a Bíblia e com a espada, e
hoje matam com leis”, denunciou. Davi Kopenawa fazendo coro ao parente Truká
disse que é preciso destruir a PEC 215: “Eu não quero morrer outra vez como
morremos 500 anos atrás”.
PLP
227 é inconstitucional e viola Convenção 169
Por: Renato Santana
Na Capital Federal a
movimentação no Poder Legislativo já começou. A partir desta terça-feira, 6, os
trabalhos no Congresso Nacional devem ser retomados, depois do recesso
parlamentar de meio de ano. Entre a quase uma centena de proposições que afetam
a vida dos povos indígenas está o Projeto de Lei Complementar (PLP) 227/2012,
última novidade da bancada ruralista.
Porém, o PLP 227 é
inconstitucional e atenta contra a Convenção 169 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT). A conclusão é de parecer jurídico – leia na íntegra aqui -
elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que contou com a
colaboração de uma rede de advogados com vivência profissional relacionada ao
Artigo 231 – “Dos Índios” - da Constituição Federal. O que diz o PLP 227?
O PLP 227, já com
Comissão Especial formada, pretende criar lei complementar ao artigo 231
apontando as exceções ao direito de uso exclusivo dos indígenas das terras
tradicionais, em caso de relevante interesse público da União. Dentre as tais
exceções está a exploração dos territórios indígenas pela rede do agronegócio,
empresas de mineração, além da construção de empreendimentos ligados aos
interesses das esferas de governo – federal, estadual e municipal.
“A questão relacionada
à constitucionalidade desta perspectiva normativa relaciona-se ao mérito da
proposição que consiste em reconhecer como “atos de relevante interesse público
da União”, todos e quaisquer projetos de infra-estrutura e atividades
produtivas particulares e públicas, as concessões de terras públicas de faixa
de fronteira, os campos de treinamento militares e demais alienações de terras
indígenas, “para fins de demarcação de Terras Indígenas”, afirma trecho do
parecer, atestando a inconstitucionalidade.
Conforme o documento,
empreendimentos ligados a prefeituras e governos estaduais, exploração de
riquezas realizadas por empresas privadas e o uso do solo por grupos ligados ao
setor do agronegócio não podem ser considerados de interesse público da União,
na medida em que não são atos da União. Além disso, o texto ressalta que os
deputados constituintes “fixaram sólido e rígido arcabouço
jurídico-constitucional no sentido de não admitir quaisquer atos que impliquem
restrições à posse permanente e ao usufruto exclusivo dos índios”.
Para os advogados que
elaboraram o parecer, as terras indígenas são, conforme o direito originário
dos índios, inalienáveis, que já tem destino definido – a posse dos povos
indígenas - e não podem ser negociadas; indisponíveis, ou seja, as terras não
podem ser disponibilizadas para outras funções, sendo que os direitos dos
índios sobre elas são imprescritíveis: podem passar mil anos e tais direitos
não perdem a validade.
“Ao considerar inúmeras
atividades econômicas não indígenas e a possibilidade do controle de território
indígena por particulares, empresas privadas ou mesmo por Municípios ou Estados
Federados, a proposição legislativa desconsidera que o texto refere-se tão
somente aos “atos de relevante interesse público da União”. O texto proposto
desconsidera o inciso XI do art. 20 da CF/88 que define as terras indígenas
como bens da União, e todo o art. 231, principalmente relacionado ao direito
originário dos índios, o usufruto exclusivo e que as terras indígenas são
inalienáveis e indisponíveis, cujos direitos são imprescritíveis”, diz o
parecer.
Convenção 169
desrespeitada
Ratificada pelo governo
Luiz Inácio Lula da Silva em 2004, a Convenção 169 da OIT é outro ponto
abordado pelo parecer. “O direito a consulta deve ocorrer também diante de
medidas legislativas que afetem os povos indígenas. Além da
inconstitucionalidade, o PLP 227 desrespeita essa convenção, que a partir da
hora que o país torna-se signatário passa a ter efeito como lei”, explica o
assessor Jurídico do Cimi, Adelar Cupsinski. A medida, portanto, atua em
consonância com a Constituição Federal.
“A Convenção 169 da OIT
não limita quais os temas que os povos indígenas devem ser consultados como,
por exemplo, a exploração de recursos minerais em terras indígenas ou os atos
de relevante interesse público da União. Ao contrário, afirma que sempre que
medidas legislativas ou administrativas possam afetá-los diretamente esses
grupos étnicos devem ser consultados. Trata-se, portanto, de medida que guarda
perfeita consonância com a Constituição da República ao reconhecer aos índios
sua organização social, usos, costumes e tradições e estabelecer o dever da
União Federal em fazer respeitar todos os bens dos povos indígenas (art. 231,
caput)”, diz trecho do parecer.
No entanto, a Convenção
169 amplia a participação dos povos indígenas na vida do país para além da
consulta prévia. De acordo com a línea b do artigo 6º da convenção, “em todos
os níveis decisórios de instituições eletivas ou órgãos administrativos
responsáveis por políticas e programas que lhes afetem”. Isso significa, tal
como lembram os advogados no parecer, que o Congresso Nacional precisa, ao
menos, aprovar o Projeto de Lei (PL) 3571/2008, que cria o Conselho Nacional de
Política Indigenista, hoje apenas uma comissão, a CNPI. “O Congresso tem o
dever de consultar os povos em todas as fases do processo legislativo. Estamos
diante de um projeto (PLP 227) altamente danoso aos povos indígenas e a
democracia”, encerra Cupsinski.
Leia o parecer naíntegra aqui.
Sobre a PEC 215
Via: Mobilização Indigena
Sobre a PEC 215
Via: Mobilização Indigena
Desde abril do ano
passado, a PEC 215 tem sido motivo de uma onda de protestos por todo país,
desde que um grupo de índios ocupou o Congresso Nacional para barrar o projeto.
A proposta foi então tema de uma comissão paritária entre indígenas e
parlamentares, que concluiu pela sua inconstitucionalidade e recomendou o seu
arquivamento. O Governo Federal se posicionou contra a medida e juristas
renomados como Dalmo Dallari e o próprio ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF), Luis Roberto Barroso, já alertaram para a sua inconsistência jurídica.
Em dezembro de 2013, no entanto, a bancada ruralista conseguiu a instalação de
uma Comissão Especial para tratar do tema.
A audiência desta
sexta-feira na Alesp é a última de série promovida pela Comissão Especial em
várias regiões do país, e não conta com a participação de povos indígenas,
organizações apoiadoras, e tampouco de especialistas na temática, como foi
regra em todas já realizadas. O clima nas oitivas nos outros Estados foi tenso.
Relatos de observadores que estiveram presentes na sessão ocorrida em Belo
Horizonte (MG), por exemplo, testemunharam falas de pessoas contrárias à
demarcação de terras, que chegam a tratar os índios por “vermes e vagabundos”,
sem quaisquer reparos por parte dos parlamentares que coordenavam o evento.
O ato de hoje ocorre um
dia depois que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) divulga
posicionamento público explicando porque nenhum dos povos indígenas do país se
dispôs a participar e legitimar as referidas audiências, que já passaram pelos
estados de Santa Catarina, Pará, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul, Bahia e Minas Gerais. A nota também é assinada pela Comissão Guarani
Yvyrupa (CGY).
Sobre a Bancada
Ruralista
Maior bancada no
Congresso Nacional, com 162 deputados e 11 senadores (segundo reportagem da
Carta Maior) sob a sigla de Frente Parlamentar da Agropecuária, a chamada
bancada ruralista representa os interesses de empresas e proprietários de terra
no país, um negócio que movimenta R$440 bilhões entre a produção agrícola e
pecuária. Os parlamentares da bancada ruralista, muitos dos quais são também
grandes proprietários de terra e tiveram suas campanhas financiadas por
empresas ligadas ao setor, estão vinculados a diversas propostas legislativas
que restringem os direitos dos índios e criminalizam a reforma agrária.
O site “A República dos Ruralistas” reúne informações sobre
financiamento de campanha, patrimônio e ocorrências judiciais dos principais
deputados e senadores que compõem a bancada e revela quais propostas apoiam ou
rechaçam.
Através do site podemos
saber, por exemplo, que o Deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), o mesmo que foi
flagrado em vídeo conclamando grandes proprietários a se organizarem através de
suas redes de contatos para reunir “verdadeiras multidões” e expulsar “do jeito
que for necessário” os que ousarem pisar em suas terras, votou a favor das
mudanças no Código Florestal e contra a PEC do Trabalho Escravo.
Outro que teve seu
perfil divulgado no site é o Deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS), que considera índios, negros e homossexuais “tudo o que não presta” em nossa sociedade.
Heinze também foi contra a PEC do Trabalho Escravo e trabalha intensamente
contra as demarcações de terras indígenas. Curiosamente o deputado teve sua
campanha em 2010 financiada por empresas como a Bunge Fertilizantes S/A, a
Camil Alimentos S/A, Seara Alimentos S/A, dentre muitas outras gigantes do
agronegócio. Senadores como Kátia Abreu, e Blairo Maggi também tem seu perfil
apresentado no site.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, de interesse da Frente Parlamentar Agropecuária, é inconstitucional e deve ser arquivada.
A PEC 215 visa levar ao
Congresso Nacional as demarcações de terras indígenas, quilombolas e a criação
de áreas de preservação ambiental para serem aprovadas ou não. Por conta dela,
entre outras medidas nocivas às comunidades originárias e tradicionais, os
povos indígenas ocuparam em abril o plenário da Câmara Federal.
Na ocasião, o
presidente da casa, deputado Henrique Alves (PMDB/RN), criou a comissão
paritária – composta por dez parlamentares e dez lideranças indígenas. O grupo
de trabalho deveria ser um espaço de discussão sobre todas as proposituras
legislativas envolvendo os povos indígenas. São quase 100 matérias, no total.
Porém, apenas as
lideranças indígenas e parlamentares fora do escopo do agronegócio
compareceram. Inclusive na sessão desta quarta, que votou o relatório final do
grupo. Para Lincoln Portela (PR/MG), mediador da comissão, a ausência durante
os meses de trabalho se deu por conta da intensa agenda legislativa.
O encerramento da
comissão, entretanto, ocorre nos dias prometidos pelo presidente da Câmara
Federal para a criação da Comissão Especial da PEC 215, medida rechaçada por
indígenas, indigenistas e juristas. A comissão é a ante-sala da votação em
plenário, tomado por deputados ruralistas interessados na PEC.
Justamente por essa
razão, 1.500 Terena bloquearam durante esta quarta as BR-262 e BR-060, na
região central do Mato Grosso do Sul, contra a criação da Comissão Especial da
PEC 215. Em Dourados (MS), os Guarani Kaiowá trancaram parcialmente a MS-156,
deixando apenas uma faixa de rolamento livre.
“Agora foram os
parentes Terena e Guarani Kaiowá que pararam três rodovias, mas se essa
Comissão Especial for criada, todos os povos indígenas do país vão se
movimentar e vamos parar o país. A gente não aceita essa PEC e os interessados
nela não quiseram conversa”, declarou o cacique Neguinho Truká, de Pernambuco.
Tabuleiro
Com a votação do
relatório final e o fim do grupo de trabalho, que deverá migrar para uma
subcomissão da Comissão de Legislação Participativa da Câmara Federal, o
presidente Henrique Alves tem o que precisa para criar a Comissão Especial da
PEC 215. Mesmo com parecer pela inconstitucionalidade, nada impede Alves de
criar a comissão.
O presidente da Câmara
declarou que caso não fosse estabelecido um consenso no grupo de trabalho, a
Comissão Especial da PEC 215 seria criada. “Se não vingar, se não corresponder
à nossa expectativa do entendimento, eu vou sim pautar, vou criar a comissão
especial”. A tática dos ruralistas foi de não comparecer às reuniões do grupo
de trabalho.
Por outro lado, o
ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), solicitou
informações à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal sobre
a PEC 215. Para Barroso acabou caindo o mandado de segurança com pedido de
liminar do deputado Padre Ton (PT/RO) contra a tramitação da PEC 215.
As lideranças indígenas
esperam que o ministro Barroso, assim como outros juristas de renome, como
Dalmo Dallari e Carlos Frederico Marés, entenda a PEC 215 como uma afronta à
Constituição Federal, que este ano completa 25 anos e ainda está longe de ser a
Constituição Cidadã – tal como era desejado em 1988.
Mineração em Terras
Indígenas
Aprovado em 1996 pelo
Senado, o PL 1610 de autoria de Romero Jucá (RR), tem como objetivo cumprir com
uma exigência formal estabelecida na Constituição Federal, que admite a
atividade de mineração em Terras Indígenas, desde que se crie um dispositivo
constitucional que regulamente essa atividade por meio de lei.
Uma das críticas à
aprovação do PL é que a questão seja contemplada no Estatuto do Índio,
paralisado desde 1994, e não isoladamente, em uma lei específica, como foi proposto
por Jucá.
O trabalho foi retomado
criando-se uma nova comissão especial destinada a proferir um parecer sobre
esse projeto de Lei. De acordo com o deputado federal Édio Lopes, relator do
parecer, o substitutivo deve prever a consulta pública dos povos indígenas a respeitoda exploração mineral em suas terras; a participação da comunidade indígena noresultado da lavra; e a autorização do Congresso para a atividade. Em outubro
deste ano, a Rede de Cooperação Alternativa, do qual o ISA faz parte, publicou
uma nota de repúdio à aprovação do relatório de Lopes.
O foco do debate sobre
o substitutivo é a validade dessas consultas públicas. O não consentimento das
populações indígenas afetadas pelos processos de mineração não é decisivo para
sua implementação. Ou seja: se após as discussões em conjunto com a Funai a
população indígena se opuser à mineração em suas terras, o projeto não será
barrado. Ele deve ser encaminhado a uma comissão deliberativa, composta por
representantes do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), da Funai,
do Ibama, da Câmara e do Senado, que decidirá sobre a melhor alternativa para a
comunidade.
Para a elaboração do
parecer, o relator Lopes, juntamente com outros integrantes da comissão,
visitou três países Austrália, Canadá e Equador, buscado subsídios e exemplos
de regulamentação de mineração em Terras Indígenas. Somado a isso, no Brasil,
foram ouvidas diferentes populações indígenas à respeito do tema, mas o
consenso parece um horizonte distante.
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