Por: Jarid Arraes
No último domingo (12),
a modelo Verônica Bolina foi presa após uma confusão no prédio onde mora,
acusada de agredir uma vizinha. Seu destaque na internet, no entanto, se deu
por ter arrancado, com uma mordida, parte da orelha de um carcereiro, no 2º
Distrito Policial, no Bom Retiro – onde foi detida. Após o ocorrido, a modelo,
que teve seu cabelo raspado, foi espancada e fotografada com os seios
completamente expostos e o rosto desfigurado – foto a qual não será publicada
aqui por respeito a Verônica. Apesar desse quadro gravíssimo de humilhação e
abuso de poder contra a modelo, a agressão policial não vem recebendo a devida
indignação e revolta, uma vez que a Verônica Bolina é uma travesti.
Por serem travestis ou
transexuais, pessoas como Verônica têm seus corpos violentados e seus direitos
violados sem provocar qualquer choque ou revolta. Quando uma travesti é
encontrada jogada em um matagal, assassinada após ter sido torturada e
estuprada, não há qualquer manchete ou matéria nos jornais, nem mesmo aquelas
que exploram o sofrimento dos familiares da vítima para aumentar a audiência.
Todos os dias, incontáveis travestis são agredidas e violentadas, muitas das quais
acabam mortas – e absolutamente nada é feito para que esse tipo de violência
seja apurada e combatida.
Em uma cultura tão
misógina como a brasileira, a raiz dessa questão é evidente. Nossa sociedade
não suporta as travestis, negando-lhes os direitos mais básicos. Porém, cada
uma delas sofre e luta por uma sobrevivência suada, custosa e muito difícil. As
travestis e transexuais são excluídas das escolas, impedidas de acesso a
educação, são enxotadas quando buscam emprego e recriminadas, em muitos casos,
por terem como meio de sobrevivência a prostituição. Ninguém lhes oferece
alternativas tanto quanto apontam-lhes dedos. A dolorosa realidade é que
vivemos em um sistema milimetricamente construído para marginalizar as
travestis, levando-as à prostituição como única alternativa para sobrevivência,
para, ao mesmo tempo, rechaçá-las por se prostituírem.
Por isso, muitas
pessoas acham normal e até espumam de ódio – ou prazer – quando as diversas
“Verônicas” aparecem humilhadas, expostas e violadas. Gente que tem o cinismo
de se dizer “de bem”, mas que é incapaz de sentir empatia e enxergar o que há
de errado em casos como o de Verônica Bolina. Afinal, que tipo de pessoa
sentiria prazer e validaria uma agressão como aquela? Nenhum ser humano com um
mínimo de decência aprovaria o espancamento, desfiguramento e despimento
público de ninguém. O fato de que existem pessoas extraindo satisfação do
sofrimento de Verônica é extremamente perturbador e preocupante.
Não importa se Verônica
estava detida ou pelo que foi acusada. Nenhum policial tinha o direito de
espancá-la e humilhá-la. Nenhuma pessoa, não importa a farda que use, tinha o
direito de despi-la e fotografá-la para que fosse exposta. Além disso,
independente do que possa ter feito, Verônica tem direito a uma defesa; seu
caso precisa ser devidamente averiguado e ela precisa ter, no mínimo, acesso a
um advogado e a um bom atendimento psicológico. Precisamos de dedicação para
lutar e cobrar providências; Verônica merece nossa voz e nossa indignação
mordaz contra o sistema transfóbico do cárcere e da sociedade.
Ao final de tudo, o
maior desafio será despertar na sociedade a consciência de que Verônica,
travesti e negra, é uma pessoa humana. Apesar de estarmos muito longe de
conseguir essa conquista tão simples, se rompermos o silêncio em favor de
Verônica, estaremos mais próximos de atingir o objetivo. Precisamos nos unir
para gritar “basta!”. Verônica Bolina, assim como qualquer outra pessoa, merece
ser tratada com respeito e dignidade.
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