Falta de água, poluição do ar e
aumento de casos de câncer se tornaram problemas recorrentes da mineração nesta
região de Goiás.
Por: Márcio Zonta
Via: Brasil de Fato
A cidade de Catalão – cerca de
260 km da capital Goiânia – vem sofrendo um colapso social em várias áreas por
conta da mineração. Falta de água, poluição do ar e aumento de casos de câncer
são apenas alguns dos problemas que estão afetando a população da cidade.
Com seu subsolo rico em níquel,
nióbio, fosfato e os chamados minerais de terras raras, Catalão tem olhado a
riqueza ser extraída pelas empresas Anglo American e Vale Fertilizantes. Em
troca, recebe apenas o prejuízo desse processo.
No campo, a população idosa tem
sido a mais afetada pela mineração. Muitas famílias centenárias estão sendo
expulsas de seus territórios por conta da expansão das atividades das
mineradoras.
Ademais, os proprietários rurais
têm vivido constantemente com a problemática da deterioração do solo, da seca
de suas nascentes, riachos e fontes hídricas que acarretam a impossibilidade da
agricultura e a morte de animais. Isso sem mencionar o risco de transbordo de
barragem de rejeitos das mineradoras e a destruição de florestas nativas.
Na cidade, a poluição do ar, que
inclusive passou a ser chamado de “cheiro de barata” toma conta de parte dos
bairros ao entardecer.
Diante desse cenário a Anglo e a
Vale se defendem com falácias culpando a falta de chuva pela escassez de água e
se esquivando das responsabilidades das partículas poluidoras lançadas no ar de
Catalão.
Visita
A casa de dona Glória na zona
rural de Paraíso do Alto está ajeitada, café feito, toalha de mesa aprumada.
Típica casa hospitaleira da roça quando vai receber visita. Numa tarde quente
do interior goiano, chegam quatro funcionários da Anglo American: dois geólogos
especialistas em hidrologia vindos de Belo Horizonte, um geólogo da empresa de
Catalão e um jornalista. Escutam atentamente as reclamações da comunidade sobre
o problema de falta de água e soltam, no mesmo momento, a razão da crise
hídrica na cidade de Catalão e Ouvidor.
Segundo os funcionários, a
dificuldade pela pouca água, que antes corria em abundância pelos rios e
córregos da região, faz parte de uma crise mundial do recurso hídrico e pela
falta de chuva que acomete a zona rural goiana.
Depois de muitos tapinhas nas
costas e sorrisos sorrateiros, os funcionários da Anglo se despedem com ar de
missão cumprida.
Entretanto, a Anglo American
esqueceu que, em Catalão, desde 1913, existe uma estação que monitora o volume
de chuvas que cai na região. Diante da desculpa sem nexo da mineradora,
pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) foram verificar as
informações contidas no aparelho de medição.
“Com base no que os funcionários
da Anglo falaram, fomos pesquisar os dados e fizemos uma tabulação. O resultado
é que, há cem anos, temos o mesmo volume de chuvas, uma média anual de mil e
quatrocentos milímetros de água”, revela o geógrafo e presidente da Associação
dos Geógrafos Brasileiros (AGB), seção Catalão, Gabriel Melo Neto.
Para o professor, a mineradora
tentou ludibriar a população. “Não tem nada a ver a falta de água com pouca
chuva e o argumento que o problema de Catalão e Ouvidor tem a ver com uma
dinâmica mundial cai por terra, pois nós temos uma quantidade de chuva que se
mantém ao longo dos anos”, completa.
O secretário municipal de Meio
Ambiente aponta a verdadeira problemática. “Há um indicativo de que a forma de
trabalho das mineradoras com escavação de mais de cem metros de profundidade
altera a qualidade da água dos mananciais e a quantidade de água da região,
como é o caso, por exemplo, do que ocorre no entorno da mina Boa Vista
explorada pela Anglo American”, esclarece.
O secretário aguarda um estudo
hidrológico da região solicitado junto ao Ministério Público para conclusões
mais exatas sobre a escassez de água em Catalão.
Reinventar
a vida?
A mineração em Catalão também tem
imposto a um campesinato envelhecido uma reinvenção de vida quase impossível,
como morar e trabalhar na cidade. É o caso do senhor Antônio, da comunidade do
Alto Paraíso na região de Ouvidor.
“Meu avó nasceu aqui, meu pai
herdou a área e eu e meus irmãos todos fomos criados aqui, e eu permaneci aqui
até hoje, mas estou vendendo minha terra para Anglo American”, conta.
Quase aos 80 anos e com uma
história familiar de aproximadamente dois séculos sobre seu território, Antônio
se prepara para se despedir do local.
“Não tenho mais água potável,
tenho que trazer da cidade, só esse ano já perdi 11 cabeças de gado com a seca
na minha propriedade rural. Não tem mais como viver aqui”, desabafa.
Antônio, que conheceu de perto
todas as nascentes, riachos e córregos de Paraíso do Alto divide a vida em
antes e depois da mineração.
“Depois das mineradoras é que a
vida começa a mudar aqui, pois acabam as águas, diminuiu muito os córregos para
pesca, as cachoeiras que embelezavam o lugar eram cheias de lambari, bagre.
Acabou tudo”, lamenta.
Se a perfuração do lençol
freático e o intensivo uso de água na atividade de mineração tem determinado o
fim da água da comunidade de Paraíso do Alto, por outro lado, outras tantas
famílias da zona rural tem sofrido com a inundação, devido à mudança de curso
de rios e transbordamento das barragens de rejeitos.
É o caso dos trabalhadores rurais
de Mata Preta. O rio da propriedade do senhor Agripino sofreu uma cheia por
conta das mudanças ambientais causadas pela atuação da Vale Fertilizantes, que
vem modificando drasticamente o meio ambiente da região.
“Matou todas as árvores que tinha
ao redor do rio, minha plantação afogou em meio a tanta água, além da
contaminação dos rejeitos da Vale que têm vazado para cá”, explica.
No seu vizinho, o gado vive
morrendo em meio a um atoleiro misturado de lama e rejeito da Vale. A paisagem
é de um imenso lago sujo que parece que vai engolir a casa do sítio e o curral
a qualquer momento.
“Ser vizinho de mineração é uma
desgraça, olha só esse mar de sujeira avançando sobre a criação de minha
propriedade”, reclama Firmino apoiado numa bengala.
A dúvida dele é a de todos: “Para
onde vou? Aqui, daqui um tempo, não vai dar mais! Para cidade? Nunca vivi lá,
aqui alimento da minha terra e lá na cidade? Vou fazer o quê? Já estou velho
demais para ser importunado por uma mineradora, quero paz!”.
Uma pesquisa realizada pela
Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Catalão (SEMMAC) em 24 propriedades
rurais constatou que o principal problema é a escassez e poluição da água,
muito barulho e poeira provocada pelas mineradoras.
O secretário Marcelo Mendonza
demonstra preocupação com os casos de inundações agrícolas provocados pelas
mineradoras. “Existe uma grande quantidade de lagoas de rejeitos, que
contaminam muito, alagam propriedades, mas infelizmente não sabemos exatamente
quantas lagoas foram feitas pelas empresas nesses últimos anos”, relata.
Mineradoras
multadas
Se no campo, a mineração tem
determinado a morte do ciclo da vida de uma população centenária de Catalão e
Ouvidor, na cidade os terminais industriais da Anglo e da Vale têm jogado nos
pulmões dos catalanos impurezas nada saudáveis.
Situação que levou as mineradoras
a serem notificadas no dia 27 de fevereiro para pagarem uma multa no valor de
R$ 28 milhões. De acordo com a SEMMAC, ambas as empresas seriam as responsáveis
pela poluição que em Catalão já foi apelidada de “cheiro de baratas”.
As investigações vêm do ano
passado, quando a população chegou a denunciar o caso ao Ministério Público,
que desencadeou o processo. À época, os técnicos chegaram à conclusão de que a
poluição atingia certas regiões do município, de acordo com o vento e sua
intensidade.
O mau cheiro é sentido
principalmente em bairro mais altos, como Ipanema, Margon e em parte do Nossa
Senhora de Fátima.
A Vale Fertilizantes foi autuada
em R$ 10 milhões pela poluição atmosférica. Já a Anglo, de acordo com a SEMMAC,
foi autuada em R$ 10 milhões pela poluição e mais R$ 8 milhões por poluição
gerada na mina Boa Vista, em que, de acordo com o documento, emite partículas
quatro vezes mais do que o permitido.
Este mês, a Anglo recebeu outra
notificação. Dessa vez, aplicada pelo Ministério Público, que em ação civil
pública, propôs multa de R$ 5 milhões por danos ambientais, na construção de
uma represa de contenção.
“Nós conseguimos mapear e
comprovar que essa poluição atmosférica tem origem no polo minero-químico da
Anglo e da Vale”, assegura o secretário Marcelo Mendonça.
Câncer
A contaminação do ar e do solo
levou Catalão, segundo estudos realizados pelo Instituto de Ciências Biológicas
e da Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a ser a cidade com
maior incidência de câncer no estado de Goiás.
A pesquisa, ao analisar os
prontuários médicos do sistema público de saúde da cidade entre os anos de 2005
e 2006, identificou que a doença majoritariamente se localiza nos órgãos do
sistema respiratório e digestivo.
“As notificações de neoplasias
malignas do sistema respiratório passaram de 1,5% em 2005 para 11,5% em 2006.
Quanto ao sistema digestivo, a prevalência passou de 10% em 2005 para 16,5% em
2006”, aponta a análise.
Na conclusão, o documento afirma:
“A epidemiologia do câncer no município de Catalão, Goiás, sugere associações
entre as atividades econômicas desenvolvidas na cidade, como a mineração e a
agropecuária, e a prevalência de tumores localizados no sistema respiratório e
digestivo”.
Para o geólogo e presidente da
Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), seção Catalão, Gabriel Melo Neto, o
estudo mostra a despreocupação das mineradoras com as populações do campo e da
cidade de Catalão e Ouvidor.
“As mineradoras estão envenenando
a água e o solo, portanto, estamos comendo comida contaminada, além do ar que
respiramos, que está cheio de partículas inadequadas para população, por isso,
a incidência de câncer no pulmão e no estômago do catalano.”
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