Não se pode acreditar no patrocínio desinteressado das pessoas jurídicas; deve-se evitar que a riqueza tenha o controle do processo eleitoral em detrimento dos valores constitucionais compartilhados pela sociedade.
Por: Kenarik Boujikian*
Cada dia fica mais claro que o
Brasil necessita de uma real reforma política, a ser feita por eleitos para
este fim específico e sem que o sejam às custas de empresas. Este desafio não
pode ser exercido por este Congresso e nem se está a imaginar que o Supremo
Tribunal Federal (STF) possa fazê-lo. Evidente que não, mas cabe ao STF dizer
se a lei, que permite que as empresas e os ricos mandem nas eleições, deve
valer ou não para as próximas campanhas.
Para tanto, a decisão do STF
deverá ter por norte tornar os fundamentos da República, especialmente a
cidadania, reais e efetivos para o povo brasileiro, de quem emana o poder.
Um dos meios de exercício do
poder se dá através dos representantes eleitos para o legislativo e executivo.
Mas quem de fato está exercendo este poder? O povo brasileiro ou as empresas?
A resposta está dada: nas
eleições presidenciais de 2010, 61% das doações da campanha eleitoral tiveram
origem em 0,5% das empresas brasileiras. Em 2012, 95% do custo das campanhas se
originaram de empresas. Só uma construtora doou, para diversos candidatos, o
montante de R$ 50 milhões. Nas eleições de 2014, em todo o Brasil, os valores
foram estratosféricos.
Forçoso concluir que o sistema
eleitoral está alicerçado no poder econômico, o que não pode persistir. Para
que se tenha uma eleição justa e democrática é necessário respeitar a máxima:
“uma pessoa, um voto” e acabar de uma vez por todas com o “mais cifrões, mais
votos “ e nesta medida deixar de privilegiar os mais poderosos.
Não por outro motivo, o Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou ação direta de
inconstitucionalidade (ADI 4650), em setembro de 2011, e requereu a limitação
das doações de pessoas físicas (muitas vezes do próprio candidato) e a
proibição das pessoas jurídicas (empresas) de participarem do sistema
eleitoral.
Dada a importância do tema, o STF
realizou grande audiência pública e diversas entidades, como a CNBB, participam
do processo como “amicus curiae” (instrumento democrático de participação) .
Ficou absolutamente transparente o que todos já sabem: que as campanhas são
milionárias, financiamentos maiores que orçamentos de várias cidades e estados.
Em dezembro de 2013, o processo
entrou em julgamento. Seis ministros (portanto, já configurando a maioria)
votaram contra o financiamento por empresas: Luiz Fux, Marco Aurelio, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski,
Joaquim Barbosa e Dias Toffoli. O ministro Teori Zavaschi deu voto contrário ao
pedido da OAB. Na sequência, em 02.4.2014, o ministro Gilmar Mendes exerceu o
direito de vista, mas desde então o processo está paralisado.
Durante a votação, ministros apresentaram
os fatos, às claras, sem tergiversação e disseram: não se pode acreditar no
patrocínio desinteressado das pessoas jurídicas; deve-se evitar que a riqueza
tenha o controle do processo eleitoral em detrimento dos valores
constitucionais compartilhados pela sociedade; a pretensão da ADI é
indispensável para dar fim ao monopólio financeiro das empresas e grandes
corporações sobre as eleições e alcançar-se a equidade do processo eleitoral
exigida pela Constituição; a enorme desigualdade entre os participantes produz
resultados desastrosos para a autenticidade do processo eleitoral; o
financiamento, como posto, fere o equilíbrio dos pleitos, pois as pessoas
comuns não têm como se contrapor ao poder econômico; a lei deve servir para
proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do
poder econômico.
O STF, em que pese composto por
diversos ministros, é uma unidade de poder e a democracia exige reverência ao
exercício da jurisdição colegiada, com respeito ao voto minoritário e com
subordinação à decisão da maioria.
Não se sabe o que os demais
ministros pensam acerca do tema, salvo o próprio ministro Gilmar Mendes que não
se manifestou no processo e pediu vista. Porém, ao que tudo indica (em
entrevista publicada no portal G1 – de 17.3.2015) já tem posição formada, de
modo que não há qualquer justificativa plausível para continuar a reter o
processo em suas mãos. Se o ministro já disse para a imprensa o que pensa sobre
a ação, se já criticou a OAB pela interposição da ADI, por certo já tem seu
ponto de vista consolidado e em condições de submetê-lo aos demais ministros.
O que não é justificável é
impedir o julgamento e bloquear a tomada de posição do STF, num tema tão
fundamental para a democracia e porque manifestou que já tem seu pensamento
definido.
A Reforma do Judiciário, de 2004,
que mudou a Constituição Federal, emitiu uma ordem para todos os Tribunais ao
determinar a distribuição imediata de todos os processos, em todos os graus de
jurisdição ( artigo 93, inciso XV). Assim, aboliu a prática do represamento,
para qualquer membro do Judiciário. Se o ministro pediu vista para uma melhor
análise, vamos assim dizer, agora, assumidamente possui posição, e portanto,
nada justifica que permaneça com o processo. Tem o dever republicano de
devolver o mesmo.
Não é tolerável que com um pedido
de vista, um ministro possa atar as mãos da estância máxima do próprio Poder
Judiciário, o que soa ainda mais desarrazoado, se considerado o resultado
provisório do processo e a manifestação do ministro. Com isto, quero dizer que
a soberania popular (que cada magistrado exerce, em cada caso e sempre em nome
do povo) não pode ficar na mão de uma pessoa, em um órgão colegiado.
O Tribunal não pode ficar ao talante de um de seus membros.
A magnitude do tema está a exigir que o próprio STF sensibilize o ministro que
está com o pedido de vista para
importância da finalização do julgamento e indispensabilidade da decisão
coletiva. Aliás, recentemente, o ministro Gilmar, durante sessão do STF, apelou
para que um ministro viesse a integrar a segunda turma, no que foi atendido. O
próprio STF deve resguardar a soberania popular, colocando em marcha um
processo da maior significação para a democracia.
Questão da maior gravidade está
colocada nas mãos do STF, com contornos contundentes. A proximidade das
eleições reclamam que uma mudança seja feita, o quanto antes, à tempo de
impedir que esta situação se perpetue. As doações empresariais já impactaram as
últimas eleições. Espera-se que não interfira nas seguintes, de forma tão deletéria
.
Clamando para que o STF cumpra
seu papel, a sociedade já pediu, por diversas formas, que o processo volte à
sessão de julgamento.
Mas encerro com uma boa nova: o
presidente do STF, Ricardo Lewandowsky, noticiou, em 11.3 ( site do STF), que
colocará com prioridade na pauta do plenário, neste ano, os processos que
tiveram o julgamento interrompido por pedidos de vista.
Que a ADI 4650 seja julgada o
mais rápido possível,de forma que o STF resguarde o sistema democrático e
fortaleça os objetivos da República, dentre eles, a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária. Assim, com certeza, poderá dar verdadeira
contribuição para a democracia, colocando as empresas em seus lugares e não nos
lugares dos cidadãos.
*Kenarik Boujikian, magistrada no
Tribunal de Justiça de São Paulo e cofundadora da Associação Juizes para a
Democracia
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