sexta-feira, 3 de abril de 2015


André Ferrari, do Socialismo Revolucionário e da Executiva Nacional provisória do PSOL       
 08 de outubro de 2005



O início do processo que resultou na formação do PSOL tem um marco fundamental na vitória eleitoral do PT em 2002. Com a posse de Lula, milhares de militantes petistas e de fora do PT em todo o país passaram a questionar os rumos adotados pelo novo governo.

Desde o primeiro momento, a política econômica do novo governo, sob o comando do ministro da fazenda Antonio Palocci e do presidente do Banco Central, o banqueiro tucano Henrique Meirelles, atendeu aos interesses do grande capital financeiro e seguiu à risca a receita do FMI.

A luta dos servidores públicos federais em 2003

O novo governo também se comprometeu a dar continuidade às contra-reformas neoliberais do governo anterior de FHC. Começou com a reforma da previdência que retirava direitos dos trabalhadores do setor público da mesma forma que FHC tinha feito com aqueles do setor privado.
Além da velha conhecida política de cortes nos gastos públicos para pagar os juros da dívida aos banqueiros, essa contra-reforma também favorecia ao grande capital financeiro.

Para aprovar a contra-reforma, Lula teve que se enfrentar com uma poderosa greve nacional dos servidores federais com manifestações de até 80 mil pessoas em Brasília. Depois de uma resistência heróica, enfrentando inclusive a confusão de muitos (o MST, por exemplo, não apoiou de fato o movimento) e má fé de outros (a direção da CUT claramente apoiou o governo contra os grevistas), os trabalhadores acabam não conseguindo barrar a reforma.

Porém, grande parte da base social do PT entre os trabalhadores do setor público foi perdida. O PT ia claramente se consolidando como um partido da ordem capitalista neoliberal, um instrumento da classe dominante para implementar suas políticas.

Os servidores públicos em geral representaram uma base social importantíssima no que posteriormente veio a ser o PSOL.

A perseguição sobre os “radicais”

Desde o início do governo Lula, alguns parlamentares ganharam visibilidade nacional por sua postura firme contra o giro à direita adotado pelo partido e as políticas neoliberais do governo.

A perseguição sobre aqueles que a imprensa chamou de “radicais”, os deputados federais Babá, Luciana Genro e, na época, João Fontes (que depois acaba se afastando), além da senadora Heloísa Helena, gerou indignação entre os mais honestos e coerentes. Essa indignação se transformou em ações concretas com vários Atos contra as punições em várias cidades por todo o país.

Entre os membros do PT que repudiavam as expulsões estavam basicamente dois setores. De um lado estavam aqueles que não viam mais perspectivas de recuperação do PT como instrumento das lutas dos trabalhadores e, diante das inevitáveis expulsões se preparavam para lançar um movimento por um novo partido. Do outro lado, estavam aqueles que, militando na esquerda petista, discordavam das punições, mas defendiam a permanência no PT por acreditarem que o partido e o governo estavam em disputa e era possível um resgate do PT.

No primeiro caso estavam os chamados “radicais”, as correntes dos deputados Babá e Luciana Genro, além de dirigentes sindicais e militantes independentes. O Socialismo Revolucionário (SR), que naquele momento também atuava no interior do PT ainda que com um perfil aberto e independente, também defendia a necessidade de um novo partido.

Na verdade, desde o início da constituição do SR como tendência do PT em 1998 entendíamos que a questão de um novo partido estaria colocada a partir de um processo de experiência de amplos setores com as políticas pró-capitalistas da direção majoritária do partido. Um provável governo petista aceleraria esse processo e, em nossa avaliação, era uma tarefa dos revolucionários, atuar no interior do movimento amplo de insatisfação e ruptura com o partido defendendo as idéias socialistas e revolucionárias. Esse processo já estava em curso com poucos meses de governo Lula.

A expulsão dos “radicais” do PT se deu na reunião do Diretório Nacional do partido nos dias 13 e 14 de dezembro de 2003. Na mesma reunião, o diretório reafirmou seu apoio à política econômica e às reformas neoliberais do governo Lula.

Outros setores da esquerda diante do novo partido

A perseguição dos “radicais”, além de mover amplos setores petistas, também mobilizou setores da esquerda fora do PT. O PSTU, por exemplo, passou a defender a constituição de um novo partido junto com os “radicais” e outros setores.

Porém, as relações com o PSTU não avançaram porque seu projeto de novo partido mostrou-se bem mais estreito do que aquele necessário para o momento atual. Exigiam que o novo partido fosse centralizado a ponto de proibir divergências públicas num momento em que setores muito heterogêneos da esquerda socialista apenas começavam a se aproximar.

A proposta de partido centralizado do PSTU implicava na prática em uma submissão das demais correntes à sua linha e concepção partidária. Havia até setores que acabavam de romper com o PSTU exatamente por divergir de seu sectarismo e de seu regime interno anti-democrático. Como exigir que esses setores voltassem a se submeter à mesma concepção e linha política com a qual acabavam de romper?

O PSTU não tinha um autêntico projeto de unidade da esquerda, mas sim apenas uma tática para tentar ganhar setores que rompiam com o PT. Enquanto tática pode até ser legítimo, embora equivocada e sectária. O que não é legítimo é continuar acusando o atual PSOL de tê-los excluído do processo de formação do novo partido.

Um exemplo claro da postura sectária adotada pelo PSTU foi sua posição oficial de não colaborar com o processo de legalização do PSOL, proibindo seus militantes de assinarem as fichas de apoio, ao contrário do que fizeram o PCB, setores da esquerda petista e outras organizações de esquerda.

O que o momento político exigia da esquerda socialista era um esforço de unidade para reconstruir organizações de massas da classe trabalhadora, em especial um novo partido de esquerda. Essa unidade só seria possível neste momento respeitando-se as diferenças políticas existentes.

Essas diferenças não seriam resolvidas por decreto. Por isso o direito de tendências precisava ser garantido. Dessa forma, os marxistas revolucionários poderiam impulsionar uma nova força de massas junto com outros setores e, ao mesmo tempo, lutar para fortalecer as posições socialistas e revolucionárias no interior dessa nova formação e em setores amplos da classe trabalhadora.

Já o Movimento Consulta Popular, surgido no final dos anos 90 a partir do impacto da luta do MST, evoluiu para um posicionamento mais crítico em relação ao governo e ao PT. Esse movimento, porém adotou posição contrária à formação de um novo partido legal. Uma parte em razão de seus vínculos com o PT e posições dúbias em relação ao governo e outra com a justificativa de que priorizam a ação dos movimentos sociais.

A prioridade da luta direta dos trabalhadores é inquestionável. O problema é o que fazer com os espaços da luta institucional existentes, como as eleições gerais de 2006. A esquerda socialista deixará que milhões de trabalhadores tenham que escolher entre os neoliberais da estrela ou do tucano? Ou usaremos as eleições para levantar uma alternativa de esquerda anti-capitalista e assim dialogar com milhões?

A Esquerda Socialista e Democrática

Com a consumação da expulsão dos “radicais” abriu-se o caminho para a formação de um movimento por um novo partido. Milhares de militantes romperam com o PT no mesmo dia da expulsão. Também figuras emblemáticas do pensamento de esquerda como Chico de Oliveira, Paulo Arantes, Ricardo Antunes, Carlos Nelson Coutinho e outros denunciam a postura do PT e apóiam as iniciativas de construção de uma alternativa.

Logo após a tomada de posição pública definitiva de Heloísa Helena de que trabalharia junto com os outros setores pela formação de um novo partido, aconteceu na sede da ABI no Rio de Janeiro, no dia 19 de janeiro de 2004, o Encontro que lançou a Esquerda Socialista e Democrática – Movimento por um Novo Partido (ESD).

No movimento pelo novo partido estavam parlamentares, sindicalistas, dirigentes estudantis, intelectuais, militantes de esquerda e correntes organizadas das mais diversas origens que se aproximavam a partir de alguns elementos em comum que transformaram num divisor de águas para a esquerda. O principal era a caracterização de que o governo Lula e o PT não estavam em disputa e era necessário construir uma alternativa de esquerda.

Assim, mesmo reunindo militantes com diferentes concepções sobre a luta socialista, alguns inclusive reivindicando uma estratégia essencialmente reformista, esses militantes assumiam uma postura correta diante do teste principal para a esquerda brasileira na etapa atual: sua postura diante do governo Lula e do PT.

O movimento ESD foi lançado em Atos políticos em praticamente todas as capitais e inúmeras cidades por todo o país. A partir daí a Comissão Nacional do movimento apresentou aos militantes uma proposta de Programa e Estatuto provisórios.

O programa provisório apresentado tinha um conteúdo claramente anti-capitalista, anti-imperialista, classista, radicalmente democrático e socialista. Não tinha, porém uma visão mais aprofundada e clara da estratégia revolucionária e da concepção de socialismo. Continha inclusive algumas formulações equivocadas em nossa opinião, particularmente no que se refere à luta dos trabalhadores na América Latina onde dava margens a uma visão anti-imperialista descolada do socialismo como alternativa.

O Estatuto proposto estabelecia que o novo partido seria radicalmente democrático, composto por militantes organizados, de caráter inclusivo e com direito de tendências e que buscava constituir-se sobre uma base de massas.

Ainda assim, o Estatuto refletia um momento muito inicial da construção do novo partido, por isso assumia também um caráter muito provisório e não refletia a riqueza de experiências e lições tiradas por quem militou no PT ou mesmo em outras organizações da esquerda socialista.

O lançamento do PSOL

O Encontro que lançou o Partido Socialismo e Liberdade aconteceu em Brasília nos dias 5 e 6 de junho de 2004 e reuniu cerca de 750 companheiros de 22 estados. O Encontro encaminhou favoravelmente ao projeto de programa e estatuto provisórios, definiu uma Comissão Nacional composta por 101 membros e uma Executiva Nacional provisória com 15 membros. O nome do partido foi definido também em votação do Plenário.

O Encontro também deu início ao processo de obtenção do registro legal do PSOL. A meta de 500 mil assinaturas (diante das 430 mil exigidas pela legislação) foi estabelecida e os militantes começaram a coletá-las nas ruas, praças, locais de trabalho e estudo, manifestações, assembléias, etc.
O Encontro foi um grande sucesso, mas as condições de sua realização foram muito precárias. Houve pouco tempo prévio para os debates sobre o programa e o estatuto e o próprio Encontro teve que buscar aprovar os documentos através da negociação entre as correntes e buscando um consenso mínimo uma vez que não havia delegados eleitos e nem instâncias já formadas.

Essa situação de excepcionalidade foi imposta pelo caráter ainda muito inicial do novo partido. Além disso, a Comissão Nacional entendeu que era importante, apesar do pouco tempo, garantir um Encontro que permitisse o início do processo visando a obtenção do registro legal do novo partido.

A luta pela legalização

No final de 2004, quando se completou um ano da expulsão dos radicais do PT houve um anúncio público por parte dos parlamentares e membros da Executiva Nacional de que o número mínimo necessário havia sido alcançado.

Porém, apesar do grande apoio encontrado nas ruas, houve uma subestimação das dificuldades burocráticas impostas pela legislação eleitoral. Seria necessário coletar muito mais assinaturas para compensar problemas nos cartórios eleitorais e nas diversas instâncias da justiça eleitoral.

O partido realizou em janeiro seu II Encontro Nacional em Porto Alegre, durante o Fórum Social Mundial. O Encontro reuniu mais de mil militantes e simpatizantes e encaminhou uma resolução política sobre a conjuntura e as tarefas, a convocação de um Congresso para o final do ano e a necessidade de avançar na coleta de assinaturas.

Em março de 2005, porém, houve um alerta geral da Executiva à militância apontando os riscos de não conseguirmos a legalização dentro do prazo para apresentar candidatos nas eleições de 2006. Com isso, houve uma reavaliação das prioridades entre a maioria dos militantes.

Com essa situação emergencial, não avançamos o suficiente em alguns dos aspectos centrais de nossa atuação, como o debate político e em parte a definição de uma linha política adequada à conjuntura, principalmente no que se refere ao trabalho sindical, mas também em outros setores.

Ainda assim, o enorme esforço de coleta e processamento das assinaturas e a entrega nos cartórios deu resultado e o PSOL conseguiu dar entrada a tempo no TSE e obteve finalmente seu registro definitivo no dia 15 de setembro.

Com o acirramento da crise política nacional, o PSOL avançou e ganhou a simpatia de milhões por todo o país. Apesar de todas as dificuldades, o PSOL aparece hoje como alternativa para um amplo setor descontente com o PT e a política tradicional.

Além do senador Geraldo Mesquita do Acre, que se juntou ao partido em março e do deputado João Alfredo do Ceará que acaba de tomar posição pelo ingresso no PSOL, rompendo com o PT, muitos ativistas têm assumido a mesma posição em nível nacional, inclusive correntes ou setores de correntes que atuavam na esquerda petista.

Uma vez conquistada a legalidade, o salto de qualidade para o PSOL vai depender de como atuaremos na próxima etapa, solucionando nossos problemas e dando passos reais na constituição de um partido democrático, baseado nas lutas dos trabalhadores e defensor de uma alternativa socialista.

Balanço positivo, mas muito a avançar

A trajetória do PSOL até hoje foi marcada por avanços importantes e um êxito claro. Sua constituição enquanto partido nacional, com milhares de apoiadores e até legalmente reconhecido é uma vitória para o conjunto da esquerda e dos trabalhadores. O PSOL é hoje o elemento mais importante do processo de recomposição da esquerda socialista brasileira e um dos mais importantes em nível internacional.

O balanço geral do PSOL é extremamente positivo para um partido que lutou contra tudo e contra todos, contra a direita e a esquerda governista, tudo isso em meio às dificuldades existentes para a luta dos trabalhadores. Ainda assim, há muito para corrigir e avançar.

O PSOL precisa aprofundar a discussão sobre o programa para a luta socialista no Brasil e tirar daí um projeto político consistente capaz de aglutinar o melhor da classe trabalhadora e da juventude e intervir de forma decisiva na realidade política brasileira.

O desafio de intervir nas eleições de 2006 exigirá de nós capacidade para ampliar e nos dirigir a milhões ao mesmo tempo em que fincamos pé em nossos princípios de independência de classe e defesa do socialismo.

O PSOL também precisa definir um projeto de organização internacional da luta dos trabalhadores. Não há partido verdadeiramente socialista que não assuma a tarefa de impulsionar a unidade internacional da luta dos trabalhadores pelo socialismo.

Também há muito a ser feito ainda para chegarmos no partido verdadeiramente democrático que pretendemos construir. É preciso construir e consolidar os núcleos de base por todo o país, fortalecer as coordenações regionais com base num funcionamento democrático e transformar os órgão de direção nacional, a Executiva e a Comissão Nacional (os 101) em verdadeiras instâncias regulares e efetivas, que reflitam as preocupações do conjunto da militância e que encaminhem políticas capazes de fazer o partido avançar.

Precisamos de um jornal nacional do partido, de boletins internos que façam circular melhor as informações, de espaços para o encaminhamento das políticas na juventude, nos sindicatos, no movimento de mulheres, negros, GLBTT, etc. Tudo isso como parte de um projeto político anti-capitalista mais definido.

Os desafios da nova etapa

A ideia de que o PSOL é um abrigo para a esquerda socialista tem sua validade e serviu nesta primeira etapa. Mas, agora precisamos de um partido capaz de dar respostas efetivas à angústia de milhões de trabalhadores e jovens através de um programa e uma política consequentes.

Existem diferentes visões internamente no partido. Pelo menos em parte, elas precisam ser debatidas em um Congresso do partido que infelizmente tornou-se impraticável neste ano e que precisa ser encarado como uma tarefa prioritária da direção e dos militantes.


Da nossa parte lutaremos para que o PSOL avance na direção do programa e da estratégia do socialismo revolucionário e leve essas posições para os milhões de trabalhadores e jovens desse país.

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